“Com o que temos p´ra nos dar...”
Como entender a irreprimível inquietação que nos invade quando, uma vez mais, nos entregamos ao recorrente exercício de balanço anual?
Nem a certeza de que as etapas percorridas consumiram o melhor de nós, nem as alegrias de alguns passos dados em frente nos aquietam...
Quem vive profissional e pessoalmente ligado ao universo das escolas ou da Educação, em geral, tem, naturalmente, os olhos bem abertos para o mundo. Os sinais têm vindo a acumular-se e são preocupantes. Há mesmo sinais de alarme prestes a soar, nunca tão longe de nós que possamos fingir que não existem...
Entre nós, muitos indícios provam, também, que o tanto que já andamos é ainda insuficiente.
Não podemos ignorar as crianças e famílias que vivem abaixo do limiar da pobreza, nem quem perdeu o direito a uma habitação digna, nem as vítimas de perseguição ou exclusão social – seja por questões de origem étnica, de género, de diversidade funcional ou de outras.
Não podemos ignorar a urgência com que a defesa do clima está a impor-se, a insegurança criada pelo definhamento dos serviços públicos às populações, as visíveis consequências da falta de investimento na Educação/Ensino e na Investigação, nas carreiras das e dos profissionais do setor e no funcionamento de todo o sistema.
Inquietamo-nos, sim, porque sabemos qual a importância de uma Escola assente em alicerces sólidos, preparada, aberta para a vida e para o mundo, bem inserida na sua comunidade.
Tudo o que faz parte da vida e lhe dá sentido tem o seu lugar na Escola.
Os “Direitos Humanos” podem deixar de ser uma expressão batida e vazia de significado, tal como sucede com a Ética, a ser já “manipulada” por jovens estudantes que aprenderam a apoderar-se dela para desenharem uma escola melhor.
Chame-se todo o nosso património cultural, chame-se a música e a poesia, venham mais leituras para juntar ao conhecimento do rigor científico, escutem-se as crianças, respeitem-se as individualidades e fortaleçam-se as estruturas coletivas.
Renovem-se os espartilhos legislativos desatualizados, criem-se condições para um desempenho profissional compensador, abram-se fronteiras à autonomia e à imaginação.
O que já andamos parece pouco quando olhamos o tanto que o futuro nos exige, mas deve servir-nos de estímulo. Por pouco que tenha sido, valeu a pena. Já aqui chegámos.
Há que prosseguir a caminhada, fazendo refletir no ato educativo, em cada proposta e em cada projeto, todas as componentes que sabemos indispensáveis ao exercício e à fruição plena de uma cidadania informada, consciente e solidária.
Acreditamos que a Escola pode constituir-se em agente transformador – como já tantas vezes se provou! – e apostamos no desenvolvimento do património relacional que ela acolhe para chegar cada vez mais longe na conquista de um mundo melhor.
Esta edição contém muitas demonstrações de diversas perspetivas e diferentes olhares lançados sobre a Educação e o Ensino, ou outras áreas, mas sempre com lugar na nossa reflexão sobre o futuro do universo em que nos movemos.
Sophia e José Mário Branco estão cá, também, como que a lembrar-nos que é urgente sonhar e viver a vida com intensidade, lado a lado, “com o que temos p’ra nos dar.”
A equipa responsável por a Página da Educação deseja a todas/os as/os colaboradoras/es e leitoras/es um ano de 2020 feliz e com força para chegarem sempre mais longe!
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há sempre qualquer coisa que está pr’acontecer
qualquer coisa que eu devia perceber
porquê não sei, porquê não sei
porquê não sei – ainda
cá dentro inquietação, inquietação
é só inquietação, inquietação
porquê não sei, mas sei
é que não sei – ainda
há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
qualquer coisa que eu devia resolver
porquê não sei, mas sei
que essa coisa é que é linda
JOSÉ MÁRIO BRANCO [1942-2019], “português, pequeno-burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, (…) do porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim, para cantar e para o resto.” Fotografia: Adriano Miranda/PÚBLICO